Doenças intersticiais pulmonares

1 – Qual a diferença entre doença intersticial pulmonar (DIP), doença parenquimatosa difusa pulmonar (DPDP) e fibrose pulmonar?
A expressão doença intersticial pulmonar (DIP) designa um grupo numeroso e heterogêneo de moléstias, caracterizadas pelo desenvolvimento de infiltrados celulares, com ou sem deposição de matriz extracelular, nas regiões pulmonares distais aos bronquíolos terminais. Como tais processos acometem as mesmas regiões pulmonares, acabam por adquirir características clínicas, radiológicas e funcionais semelhantes, que justificam não só sua inclusão num único grupo, como também explica as dificuldades envolvidas com seus diagnósticos específicos. Quando falamos de DIP, habitualmente estamos nos referindo a processos de natureza inflamatória, relativamente incomuns, excluindo condições infecciosas ou neoplásicas que também podem mostrar infiltrados pulmonares difusos, tais como pneumonias por P. jiroveci ou linfangite carcinomatosa.O termo intersticial não é totalmente apropriado, pois em muitas dessas doenças o comprometimento intra-alveolar é proeminente. Sendo assim, o uso da denominação doença difusa pulmonar ou doença parenquimatosa difusa pulmonar (DPDP) seria o mais adequado. Entretanto, a expressão DIP já está consagrada e é a mais empregada na prática médica.Um número expressivo das DIP cursa de maneira prolongada e com deposição progressiva de colágeno nos espaços pulmonares distais, levando em sua fase final a pulmões pequenos, duros e fibróticos. Por isso algumas vezes as DIP são designadas de maneira genérica como fibrose pulmonar o que, ao nosso ver, também é inadequado.
2 – Como podem ser classificadas as doenças intersticiais pulmonares (DIP) ou doenças parenquimatosas difusas pulmonares (DPDP)?
Não existe uma classificação universalmente aceita para as DPDP. Uma abordagem antiga proposta por Crystal divide as DPDP em função do reconhecimento de um fator causador para a instalação e desenvolvimento do processo pulmonar. Assim, teríamos DPDP de etiologia conhecida como, por exemplo, a silicose ou a toxicidade pulmonar por amiodarona, e as de etiologia desconhecida, tais como a fibrose pulmonar idiopática (FPI).A Sociedade Britânica do Tórax (SBT) propôs em 1999 uma classificação bastante abrangente, ainda que um pouco confusa, para as DPDP. Para a SBT, as DPDP podem ser classificadas em cinco grandes grupos:

  • DPDP de instalação aguda;
  • DPDP episódica, muitas das quais podem ser de instalação aguda;
  • DPDP crônica, secundária a agentes ocupacionais ou ambientais;
  • DPDP crônica com evidência de doença sistêmica;
  • DPDP crônica sem evidência de doenças sistêmica.

 

3 – Quais são as doenças intersticiais pulmonares de etiologia conhecida mais comuns?
O maior número das DIPs descritas encaixa-se dentro da categoria etiologia conhecida. Embora o seu número gire em torno de 130, elas são menos comumente encontradas na prática clínica do que as DIPs sem agentes etiológicos estabelecidos. Entre as DIPs de etiologia conhecida destacam-se:

  • pneumoconioses (silicose, asbestose, etc.);
  • pneumonites de hipersensibilidades (pulmão do criador de pássaros, exposição a ambientes mofados, etc.);
  • pneumonites secundárias a drogas e tratamentos medicamentosos (amiodarona, nitrofurantoína, quimioterápicos antineoplásicos, radioterapia, etc.).

Outras condições que podem levar a DIP são a inalação de gases tóxicos (cloro, óxidos de nitrogênio, etc.) e, embora ainda seja um assunto não completamente esclarecido, a aspiração crônica de conteúdo gastro-esofágico.

4 – Quais as doenças intersticiais pulmonares de etiologia desconhecida mais frequentes?
Embora não tão numerosas como as de etiologia conhecida, as DIPs de etiologia desconhecida acabam por ser as condições encontradas mais frequentemente pelos clínicos em sua prática médica. Dentre elas destacam-se a fibrose pulmonar idiopática (FPI) e a sarcoidose. Os acometimentos pulmonares que ocorrem nas doenças colágeno-vasculares também podem ser classificados nessa categoria, à medida que a gênese das colagenoses ainda não está completamente elucidada.Outras condições pertencentes a essa categoria são os processos císticos, tais como a linfangioleiomiomatose e a histiocitose de células de Langerhans, e os processos de preenchimento alveolar, tais como a proteinose alveolar, a pneumonia em organização criptogênica, etc. De todas as DIP de etiologia desconhecida a FPI é a mais importante devido a sua maior frequência e seu prognóstico sombrio.
5 – O que são pneumonites intersticiais idiopáticas e como são classificadas?
Atualmente, a denominação pneumonites intersticiais idiopáticas(PII) restringe-se a um pequeno grupo de condições histológicas, sem etiologia definida. Processos como sarcoidose, vasculites, pneumonias eosinofílicas, hemorragias alveolares e vários outros não estão incluídos nessa categoria. Esse subgrupo de DIPs caracteriza-se pela expansão do compartimento intersticial às custas do acúmulo de células inflamatórias e, frequentemente, por proliferação fibroblástica e deposição de colágeno. Esses processos parecem ser relacionados e, para alguns autores, em algumas situações, são estágios distintos de um mesmo processo. Contudo o consenso internacional das PII de 2002 associa a cada padrão histológico condições clínicas específicas.
6 – Como a classificação das pneumonites intersticiais idiopáticas pode ajudar o clínico no entendimento dessas doenças?
Um grande e antigo problema no estudo das DIPs é a terminologia a ser utilizada. Assim, por exemplo, a expressão alveolite fibrosante já foi empregada por clínicos e patologistas com diferentes significados. Para os clínicos da Inglaterra, alveolite fibrosante criptogênica costumava designar pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI), muito embora às vezes também fossem incluídos dentro desse conceito pacientes com comprometimento pulmonar por doenças colágeno-vasculares. Alguns patologistas chamavam de alveolite fibrosante um quadro histológico fibrótico que não conseguiam definir com precisão, geralmente ao estudar material proveniente de biópsias transbrônquicas.A importância dessa classificação é ser o produto do trabalho de um grande número de especialistas na área, clínicos, radiologistas e patologistas, que agora chegam a um consenso e começam a falar a mesma língua. Além disso, fica estabelecido em definitivo que FPI corresponde unicamente a casos de pneumonia intersticial usual sem causa aparente.
7 – Quais são os padrões histológicos típicos mais frequentemente observados nas doenças intersticiais pulmonares não incluídas no grupo das pneumonites intersticiais idiopáticas?
Algumas DIPs podem apresentar padrões histológicos específicos e bem definidos. Exemplos destas condições são a histiocitose de células de Langerhans pulmonar (granuloma eosinófilo pulmonar), a linfangioleiomiomatose, a proteinose alveolar e outras. Granulomas epitelióides podem estar presentes em uma série de moléstias como a sarcoidose, silicose, pneumonites de hipersensibilidade, doenças ocupacionais e doenças infecciosas, levando frequentemente a dificuldades diagnósticas. Pneumonites de hipersensibilidade costumam cursar com inflamação bronquiolar, granulomas mal formados e infiltração intersticial linfomonocitária, nem sempre sendo um diagnóstico histológico fácil.Como o pulmão frente a agentes agressores diversos costuma mostrar um número limitado de reações histológicas, mesmo padrões encontrados nas pneumonites intersticiais idiopáticas podem ser o substrato de outras formas de DIP. Assim, por exemplo, pneumonite intersticial usual (PIU) pode aparecer em doenças colágeno-vasculares como, por exemplo, na artrite reumatóide. Áreas proeminentes de pneumonia em organização podem aparecer em quadros de pneumonite de hipersensibilidade ou toxicidade por drogas.
8 – Qual o papel da aspiração crônica na gênese das doenças intersticiais pulmonares?
Este é um aspecto ainda não completamente esclarecido. Claramente a aspiração crônica associada à hérnia de hiato, distúrbios neurológicos da deglutição e esofagite de refluxo podem levar a quadros parenquimatosos pulmonares, particularmente bronquiolites. Em pacientes com doenças colágeno-vasculares, tais como a esclerose sistêmica progressiva e a polimiosite, distúrbios da motilidade esofágica podem causar agravamento do acometimento pulmonar prévio pela moléstia e infecções de repetição.A grande questão ainda pendente é se a aspiração crônica de conteúdo ácido poderia levar a quadros semelhantes aos da FPI. Alguns estudos mostraram alta prevalência de refluxo gastro-esofágico entre pacientes com FPI, mas a relação entre causa e efeito não é clara. De fato, alta prevalência de refluxo gastro-esofágico também já foi descrita em outras pneumopatias crônicas, tais como doença pulmonar obstrutiva crônica. Estudo realizado em nosso meio mostrou que alguns pacientes com apresentação clínica semelhante à da FPI mostravam, na biópsia a céu aberto, lesões broncocêntricas, com destruição da arquitetura lobular, estendendo-se para a periferia, bronquiolectasias e espaços císticos preenchidos por conteúdo basofílico e corpos estranhos. Tais achados foram atribuídos a aspiração. Um padrão histológico ainda não completamente compreendido, denominado pneumonia intersticial bronquiolocêntrica, pode ter a aspiração gástrica como uma de suas causas.Apesar das dúvidas que pairam sobre o assunto, todo paciente com DIP e suspeita de refluxo deve ser adequadamente investigado por endoscopia digestiva e/ou pHmetria e, sendo confirmado, tratado energicamente para o distúrbio.
9 – Existem diferenças na apresentação clínica das diferentes doenças intersticiais pulmonares?
Os pacientes com DIP tendem a procurar atendimento médico com queixas semelhantes. A dispnéia é habitualmente a queixa mais comum e mais importante. Tosse seca pode ser proeminente em alguns casos. O exame físico pode mostrar, igualmente, achados inespecíficos. Dentro deste contexto é fundamental que o médico obtenha uma história clínica detalhada. É obrigatório o interrogatório sobre perigos ocupacionais no trabalho, em casa e mesmo em momentos de lazer. Deve ser investigada a exposição a animais e pássaros, uso de travesseiro com penas, uso regular de drogas e tratamentos medicamentosos atuais e no passado. Algumas doenças, como a fibrose pulmonar idiopática, bronquiolite respiratória e granuloma eosinofílico do pulmão são mais comuns em fumantes ou ex-fumantes. Manifestações de doenças sistêmicas, tais como dores articulares, febre, lesões cutâneas e adenomegalias devem ser ativamente procuradas. Muito embora as DPI costumem mostrar quadros muito semelhantes, uma observação clínica metódica pode levar a achados que dirijam o raciocínio diagnóstico.
10 – Quais são as causas mais comuns das pneumonites de hipersensibilidade?
Diagnósticos de pneumonites de hipersensibilidade (PH) têm sido feito de forma crescente em nosso meio. A ampla divulgação desta condição e o aumento do seu conhecimento devem estar contribuindo para esse fato. O diagnóstico de PH às vezes é difícil de ser feito, dependendo frequentemente de um alto grau de suspeita clínica para sua elucidação. Entre os diferentes agentes que podem levar a doença, no Brasil, bolores em ambiente doméstico e os antígenos de origem aviária desempenham um papel importante. Vale ainda notar que em uma porcentagem expressiva de casos com comprovação histológica não se consegue determinar qual foi a exposição ambiental. Ou seja, mesmo que o paciente não refira nenhuma exposição na história clínica, não se deve descartar completamente a possibilidade de PH.
11 – O que é pneumonia intersticial não específica (PINE)?

PINE é um padrão histológico de pneumonite intersticial idiopática que não apresenta características patológicas muito específicas. Acaba por ser um diagnóstico de exclusão, já que nesse padrão histológico não são encontradas características próprias de outras PII como, por exemplo, o intenso acúmulo de macrófagos amarronzados da bronquiolite respiratória. Na maioria das vezes a PINE pode ser caracterizada pela presença de lesão crônica com uniformidade das alterações inflamatórias e fibróticas dos septos alveolares, sem faveolamento apreciável. Atualmente é feita uma distinção entre PINE de padrão celular e PINE de padrão fibrosante. Na última classe, além do infiltrado celular crônico de intensidade leve a moderada, há a presença de deposição de tecido fibrótico no interstício, mas falta a heterogeneidade temporal, os focos fibroblásticos e o faveolamento característicos da PIU.

O padrão histológico da PINE frequentemente é encontrado no acometimento pulmonar por doenças colágeno-vasculares, tal como a esclerose sistêmica. PINE também foi descrita associada a doenças colágeno-vasculares ainda em forma indeterminada, precedendo, portanto, o estabelecimento completo do quadro clínico reumatológico. Contudo, padrões histológicos desse tipo podem estar presentes, entre outros, em pacientes com pneumonites de hipersensibilidade e mesmo toxicidade pulmonar por drogas. Nessas situações, o diagnóstico a ser estabelecido é o da condição desencadeadora do processo e não se deve empregar a denominação do padrão histológico como sinônimo da doença.

Em alguns casos de pacientes com DIP, a biópsia a céu aberto revela um padrão de PINE que não está associado a doenças do colágeno ou exposição ambiental. Nesses casos idiopáticos a denominação da condição clínica acaba por ser o próprio nome do padrão anátomo-patológico. Tais situações correspondem geralmente a pacientes um pouco mais jovens do que portadores de FPI e com infiltrados radiológicos geralmente mostrando componentes alveolares. Pacientes com PINE, de modo geral, respondem melhor ao tratamento com corticosteroides e imunossupressores do que pacientes com FPI, justificando a distinção. Embora o prognóstico da PINE fibrótica não seja tão bom quanto o da PINE celular, ele também é melhor do que o da PIU isolada da FPI.

Foi ainda constatado que, quando são realizadas biópsias pulmonares em mais de um lobo pulmonar, alguns pacientes com PII podem apresentar resultados discordantes, ou seja, em um lobo PIU e em outro PINE. Nesses casos o diagnóstico a ser firmado é de FPI, pois a resposta ao tratamento e o prognóstico não diferem daqueles indivíduos nos quais os achados em ambos os lobos foi PIU.

12 – Quando devemos suspeitar de uma doença intersticial pulmonar (DIP) para que se possa fazer o diagnóstico o mais depressa possível?
Uma DIP inicial poderá manifestar-se com queixa de cansaço aos esforços, tosse seca persistente, estertores finos pulmonares sem causa aparente, ou como achado radiológico. Na dúvida quanto à presença ou não de DIP inicial, os exames a serem pedidos são tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) e testes de função pulmonar. Admite-se que os testes mais sensíveis para detecção de DIP sejam medidas da difusão do monóxido de carbono (DLCO) e a medida da queda da pressão arterial de oxigênio induzida pelo esforço, melhor avaliada por um teste de exercício completo e padronizado.
13 – De que modo se apresentam radiologicamente as doenças intersticiais pulmonares (DIP)?
A apresentação radiológica das DIP costuma ser variável. Devido à somação de estruturas num plano único bidimensional, os diferentes tipos de infiltrados relacionados a condições particulares tendem a se assemelhar. Infiltrados predominantemente reticulares, de predomínio basal e periférico, e com perda dos volumes pulmonares são muito sugestivos de FPI, mas também podem aparecer em casos de colagenoses, asbestose, pneumonite de hipersensibilidade crônica, etc. Padrões de predomínio nodulares e micronodulares costumam aparecer em processos granulomatosos. Volumes pulmonares normais ou aumentados com imagens císticas difusas aparecem na linfangioleiomiomatose, na esclerose tuberosa e na histiocitose de células de Langerhans. Algumas condições mostram padrão de infiltrados alveolares confluentes, como a proteinose alveolar e a pneumonia em organização criptogênica. É muito difícil fazer a avaliação de um caso de DIP apenas utilizando a radiografia simples de tórax. Na maioria das vezes esse exame leva somente à constatação da presença de doença, apontando para a necessidade de exames subsidiários mais sofisticados, em particular a realização da tomografia computadorizada de tórax com cortes de alta resolução (TCAR).
14 – As doenças intersticiais pulmonares (DIP) sempre se apresentam radiologicamente com o assim chamado “padrão intersticial”?
Quando falamos num padrão radiológico intersticial, estamos normalmente nos referindo à presença de padrões reticulares, nodulares ou mistos (retículo-nodulares). Entretanto, existem doenças estudadas no capítulo da pneumologia que se convencionou chamar de DIP, cuja apresentação radiológica mostra infiltrados alveolares e mesmo áreas de condensação. Esse é mais um motivo para darmos preferência à expressão doença parenquimatosa difusa pulmonar ao invés de doença pulmonar intersticial. Exemplos clássicos dessas condições são a pneumonia em organização criptogênica (POC), a proteinose alveolar, as pneumonias eosinofílicas, a pneumonia de hipersensibilidade aguda e a pneumonia intersticial aguda (PIA).
15 – Frente a uma suspeita clínica e a uma radiografia de tórax sugestivas de doenças parenquimatosas difusas pulmonares, como devemos proceder?
Como já foi colocado anteriormente, é necessária a obtenção de uma história clínica minuciosa e a realização de um exame físico rigoroso. Às vezes é possível levantar uma forte suspeita por algum dado da observação clínica. Em outras ocasiões a radiografia simples de tórax também pode se mostrar muito útil, como na presença de imagens compatíveis com adenopatia mediastinal bilateral.A indicação de exames subsidiários está na dependência da suspeita clínica. Casos de colagenose podem ser definidos pela pesquisa de auto-anticorpos e marcadores séricos específicos. Na suspeita de sarcoidose, pode-se lançar mão da biópsia de linfoadenomegalias ou de broncoscopia com biópsias transbrônquicas. Muito embora nem sempre seja imprescindível para o diagnóstico, nos dias de hoje, a grande maioria dos especialistas acabará pedindo uma tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) para melhor caracterização do processo.Exames adicionais que fazem parte da investigação das DPDP são a broncoscopia com obtenção de lavado broncoalveolar e biópsias transbrônquicas e a biópsia pulmonar cirúrgica.
16 – O que é a tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) e o que ela acrescenta ao estudo das doenças intersticiais pulmonares?
A TCAR é um exame radiológico realizado em tomógrafos tradicionais ou de tecnologia espiral. São realizados cortes do parênquima pulmonar com espessura variando entre 0,5 e 1,5 mm, que acabam sendo reconstruídos com uma técnica especial, a qual permite maior contraste para as estruturas, incluindo as de pequeno tamanho. Desta forma obtém-se uma imagem de melhor qualidade e mais detalhada das estruturas contidas em uma fatia muito fina do pulmão, permitindo o reconhecimento de elementos contidos no lóbulo pulmonar secundário. Funciona mais ou menos como se estivéssemos observando a superfície pulmonar com uma lupa de pequeno aumento.Com a TCAR podemos estudar o aspecto, a extensão e a distribuição das lesões de uma determinada DPI. Desta forma acabamos por caracterizar padrões que guardam relação com determinadas DPI. Assim, por exemplo, o aspecto tomográfico típico da pneumonite intersticial usual (PIU) seria a presença de lesões lineares acometendo as zonas corticais com predomínio nas bases e campos médios. Na PIU um achado igualmente importante é a ocorrência de cistos de paredes espessadas chamados cistos em favo de mel e dilatações brônquicas denominadas bronquiectasias de tração.Muito embora a TCAR não substitua o diagnóstico histológico, na maioria das vezes ela acaba por restringir as hipóteses diagnósticas a um número pequeno de opções. A TCAR pode ser bastante útil na indicação do melhor local para realização da biópsia pulmonar diagnóstica. Em algumas situações, nos dias atuais, já se aceitam diagnósticos de DIP baseados unicamente nos quadros clínicos e tomográficos.
17 – Qual é o papel do lavado broncoalveolar (LBA) e da biópsia transbrônquica na avaliação diagnóstica das doenças intersticiais pulmonares?
O LBA tem hoje uma importância no diagnóstico e acompanhamento das DIPs muito menor do que lhe era atribuída até um passado recente. O LBA pode mostra-se extremamente útil, em combinação com o quadro clínico-radiológico, para o diagnóstico de DIP de instalação aguda, tais como a pneumonia eosinofílica aguda e as hemorragias alveolares. O LBA também é útil para diagnosticar ou excluir processos infecciosos como causa ou complicação de quadros de DIP. Nessas condições, os achados do LBA podem, por si só, ser diagnósticos. Na proteinose alveolar o LBA também pode ser diagnóstico, devido ao seu aspecto característico tanto macro como microscopicamente.Em quadros de evolução subaguda ou crônica, a presença de um número excessivamente elevado de linfócitos (além de 50%) no LBA sugere fortemente pneumonite de hipersensibilidade, pneumonia intersticial linfocítica ou sarcoidose, mas por si só não é suficiente para o diagnóstico dessas condições. Muito embora o padrão citológico do LBA em pacientes com FPI mostre algum valor prognóstico, a realização de repetidos lavados ao longo da evolução das DPDP caiu por terra.As biópsias transbrônquicas mostram-se úteis naqueles processos onde um padrão histológico específico pode ser determinado com uma pequena quantidade de tecido pulmonar. Isso é particularmente verdade para processos de distribuição peribrônquica e peribronquiolar ou de distribuição difusa, tais como sarcoidose, silicose, linfangite carcinomatosa e a proteinose alveolar. As biópsias transbrônquicas não são úteis para o diagnóstico de processos de distribuição periférica como a FPI. Nas mãos de broncoscopistas e patologistas experientes as biópsias transbrônquicas também podem se mostrar úteis para o diagnóstico de linfangioleiomiomatose e, mesmo, granuloma eosinofílico.
18 – Quando está indicada a biópsia pulmonar a céu aberto diante de um caso de doença intersticial pulmonar?
Uma biópsia pulmonar a céu aberto estará sempre indicada quando, ao chegarmos ao final de uma investigação, persistirem dúvidas quanto ao diagnóstico. Mesmo naqueles casos em que a TCAR é altamente sugestiva de PIU, com padrão citológico do LBA compatível e biópsias transbrônquicas sem diagnóstico alternativo, o diagnóstico de certeza de FPI só poderá ser definitivamente estabelecido pela biópsia cirúrgica. Atualmente, as biópsias pulmonares por videotoracoscopia fornecem volume de tecido adequado para a maioria dos diagnósticos. Além disso, têm-se mostrado procedimento minimamente invasivo, de baixa morbidade e mortalidade nas mãos de cirurgiões familiarizados com a técnica.
19 – Em vista da existência de padrões tomográficos bem definidos para algumas doenças intersticiais, qual a necessidade nesses casos específicos de se realizar biópsias transbrônquicas e a céu aberto?
Rigorosamente falando, a presença de padrões tomográficos típicos não exclui a necessidade de confirmação anátomo-patológica, pois pode haver superposição de aspectos em diferentes condições. Mesmo em uma moléstia como a linfangioleiomiomatose, que acomete apenas mulheres, essencialmente em idade fértil, e mostra padrão tomográfico bastante característico, é desejável confirmação histológica, a qual, nessa condição em particular, pode ser obtida por biópsias transbrônquicas.Nos últimos anos, alguns estudos têm demonstrado que padrões tomográficos típicos de pneumonia intersticial usual (PIU), associados a quadro clínico compatível, permitem um diagnóstico acurado de fibrose pulmonar idiopática (FPI) em aproximadamente 95% dos casos. Nesse contexto, os achados de lesões de predominância periférica, de honey combingem bases e de espessamento septal em ápices, foram os elementos que melhor previram o padrão histológico. Portanto, em pacientes muito idosos, em quadros de insuficiência respiratória avançada, ou, ainda, na presença de co-morbidades graves, o diagnóstico clínico-radiológico de PIU e FPI torna-se aceitável. Todavia, naqueles casos em que ocorre infiltrado pulmonar difuso com achados tomográficos não característicos, incluindo aí a presença de extensas áreas de vidro despolido, todo esforço deverá ser feito para a obtenção de tecido pelo método cirúrgico, pois aumentam as chances do diagnóstico de pneumonia intersticial não específica (PINE) ou mesmo de pneumonite de hipersensibilidade (PH) crônica.
20 – Qual é o papel do radiologista e do patologista para se chegar ao diagnóstico definitivo em um caso de doença intersticial pulmonar?
Devido serem moléstias relativamente incomuns e à existência de inúmeras particularidades anátomo-patológicas e radiológicas, é fundamental que o clínico envolvido no cuidado de pacientes com DIPs conte com o apoio de radiologistas e patologistas interessados e familiarizados com o assunto.O radiologista conhecedor dos padrões tomográficos deverá fazer o diagnóstico diferencial entre as diversas condições, reduzindo a quantidade de hipóteses a um pequeno número de possibilidades. O patologista, idealmente um especialista em patologia pulmonar, tentará definir um padrão histológico que, em associação às informações clínicas e dados tomográficos, acabará por fechar o diagnóstico. Torna-se, portanto, fundamental um intercâmbio contínuo entre esses três profissionais através de reuniões conjuntas para discussão dos casos clínicos e reciclagem constante.
21 – Qual é a sobrevida das diferentes doenças intersticiais pulmonares (DIP)?
Existe uma história natural da doença para cada DIP em particular. Desta forma a evolução e prognóstico dos processos vistos como um todo é altamente variável. Assim, por exemplo, são condições que costumam responder a terapia com esteroides e/ou imunossupressores: pneumonia em organização criptogênica, pneumonite intersticial linfocitária, pneumonia intersticial descamativa, doença intersticial pulmonar associada a bronquiolite respiratória, pneumonia intersticial não específica, pneumonia eosinofílica, etc.As pneumonites de hipersensibilidade têm bom prognóstico desde que adequadamente diagnosticadas, tratadas com esteróides e/ou imunossupressores e, o mais importante, tenha sido reconhecido e afastado a exposição ao agente causador.A história natural da sarcoidose é altamente variável, podendo inclusive haver regressão espontânea dos quadros. Esta é uma condição que costuma responder muito bem ao uso de esteroides, as lesões podendo inclusive regredir por completo. Todavia, aproximadamente 20% dos casos de sarcoidose evoluem para insuficiência respiratória progressiva apesar da terapia.

O prognóstico das doenças colágeno-vasculares com comprometimento pulmonar está, em grande parte, na dependência do padrão histológico de base. Entretanto, de modo geral, o prognóstico em termos de sobrevida costuma ser satisfatório, excluídas aquelas situações associadas ao dano alveolar difuso ou a hemorragia alveolar. Mesmo naqueles casos em que o substrato histológico é pneumonia intersticial usual (PIU), o prognóstico de pacientes com doenças colágeno-vasculares é melhor do que doentes com fibrose pulmonar idiopática (FPI).

A FPI é uma doença que pode mostrar curso variável. Entretanto, na maioria das vezes, associa-se a uma curta sobrevida. A mediana da sobrevida para pacientes com FPI a partir do momento do diagnóstico gira atualmente em torno de quatro anos, mesmo em vigência de tratamento. Como pode ser observado, o prognóstico atual da FPI é semelhante ao de muitas moléstias de natureza neoplásica.

22 – Quais os exames básicos que devem ser solicitados para o acompanhamento de pacientes com doenças intersticiais pulmonares?

A avaliação da resposta à terapia das DIPs deve ser feita em termos clínicos e laboratoriais. Em termos clínicos devemos sempre utilizar medidas repetidas de uma escala de dispnéia como, por exemplo, o índice de dispnéia basal de Mahler ou a escala do Medical Research Council inglês.

Os testes fisiológicos indicados são a espirometria com medida dos volumes e fluxos pulmonares e medidas da difusão do monóxido de carbono (DLCO). Outro exame necessário é a avaliação das trocas gasosas em repouso pela gasometria arterial e/ou oximetria de pulso. Muito importante é a avaliação do grau de queda da oxigenação com o exercício, por meio de gasometria ou oximetria de pulso, durante a realização de um teste de exercício padrão. Embora o mais fidedigno seja um teste em ciclo-ergômetro ou esteira, na sua impossibilidade, o grau de dessaturação arterial poderá ser medido com um teste da caminhada dos seis minutos ou teste de subida em degraus.

Radiografias de tórax podem ser obtidas periodicamente, apesar de frequentemente não mostrarem grandes alterações, mesmo na presença de mudanças funcionais significativas. O real valor da realização de TCAR repetidas ainda é incerto. Os intervalos preconizados entre as avaliações clínicas, funcionais e com radiografias simples de tórax giram entre três e seis meses. Tomografias computadorizadas de alta resolução provavelmente poderão ser repetidas a cada 12 meses ou na dependência da progressão da doença.

23 – Qual o valor da espirometria na avaliação das doenças intersticiais pulmonares?
A espirometria é o método de estudo funcional respiratório mais acessível ao clínico para avaliação das DIPs. Como colocado na questão anterior, os volumes e fluxos pulmonares deverão ser avaliados em conjunto com outros dados clínicos, radiológicos e parâmetros de troca gasosa. Entretanto, dados espirométricos isolados podem fornecer importantes informações. A presença de padrão obstrutivo, associado ou não a componente restritivo, pode sugerir algumas condições em particular, tais como granuloma eosinófilo e linfangioleiomiomatose. A presença de quedas dos fluxos em pequenas vias aéreas é encontrada comumente em quadros com comprometimento bronquiolar tais como doença intersticial pulmonar associada a bronquiolite respiratória, pneumonites de hipersensibilidade e mesmo sarcoidose.Em pacientes com fibrose pulmonar idiopática, estudos têm demonstrado que a presença de fluxos aéreos supranormais, caracterizados por relações VEF1/CVF elevadas, associam-se a pior sobrevida. A presença de baixas CPT e CVF parece igualmente associar-se a um mau prognóstico. Em particular, a elevação ou manutenção da CPT após um ano de tratamento associa-se a uma maior sobrevida. Em pacientes com FPI uma CPT ou CVF inferiores a 50-60% do previsto, apesar do uso de terapia adequada, é indicação para entrada em programa de transplante pulmonar.
24 – O que é o estudo da difusão pulmonar e qual a sua indicação na exploração diagnóstica das doenças intersticiais pulmonares?
Conceitualmente a capacidade de difusão pulmonar é uma estimativa da taxa de transferência de um gás do alvéolo para o leito capilar. O gás normalmente utilizado para medir a capacidade de difusão dos pulmões é o monóxido de carbono (CO). O CO é utilizado como elemento para essa análise porque possui coeficiente de solubilidade e peso molecular próximos ao do oxigênio. Além disso, o CO tem uma alta afinidade pela hemoglobina, sendo sua difusão limitada basicamente pelas propriedades da membrana alvéolo-capilar. Reduções da capacidade de difusão do monóxido de carbono (DLCO) ocorrem pelo espessamento da membrana alvéolo capilar e, mais importante, reduções na área da sua superfície e no volume sanguíneo capilar. Embora muito sensíveis para detectar anormalidades, as medidas de DLCO são naturalmente inespecíficas.Admite-se que medidas do DLCO, juntamente com a avaliação das trocas gasosas durante o exercício, sejam os testes mais sensíveis para detectar DIP inicial, podendo estar alteradas mesmo antes do surgimento de anormalidades radiológicas visíveis na TCAR. O DLCO correlaciona-se com a extensão das lesões intersticiais avaliadas pela TCAR, mas não com sua natureza. Dados da literatura sugerem ainda que os valores iniciais de DLCO e suas mudanças após um ano de terapia guardam relação com a sobrevida dos pacientes com fibrose pulmonar idiopática. Por tudo isso, é recomendável que medidas de DLCO façam parte da avaliação rotineira de pacientes com DIP. Contudo, devido a dificuldades para sua padronização adequada e, principalmente, ao alto custo do equipamento, é um teste nem sempre disponível em nosso meio.
25 – Quais exames complementares não invasivos devem ser solicitados no sentido de definir uma doença intersticial pulmonar como não sendo fibrose pulmonar idiopática?
As condições que mais frequentemente simulam FPI são o comprometimento pulmonar pelas colagenoses e a pneumonite de hipersensibilidade em fase crônica. Testes laboratoriais podem eventualmente confirmar ou sugerir a presença desses quadros. Entretanto, um resultado negativo necessariamente não exclui a condição. A pesquisa de anticorpos e marcadores de colagenoses, tais como fator anti-núcleo, fator reumatóide, anticorpos anti-esclero 70 ou anticorpos anti-peptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP), é importante, e os resultados devem ser interpretados dentro do contexto clínico. Deve-se ressaltar que pacientes com FPI podem mostrar títulos baixos de auto-anticorpos em até 30% dos casos.Desse modo, o auxílio de um especialista no campo da reumatologia, frequentemente mostra-se necessário. A pesquisa de precipitinas séricas contra antígenos orgânicos, tais como proteínas aviárias, pode ser útil na investigação de quadros de pneumonites de hipersensibilidade. Porém, tais precipitinas indicam apenas exposição a um determinado antígeno e não necessariamente a presença da doença. Além disso, não dispomos comercialmente no Brasil de anticorpos adequadamente padronizados.
26 – O uso do ultra-som acoplado a fibrobroncoscopia pode facilitar o diagnóstico das doenças intersticiais pulmonares?
O ultra-som endobrônquico é uma técnica nova, ainda pouco disponível no Brasil, que usa o ultra-som para visualizar estruturas dentro das paredes das vias aéreas, ou adjacentes externamente a elas. Ela costuma ser utilizada para localizar linfonodos mediastinais e hílares, assim como nódulos justa-brônquicos no parênquima periférico. Em tese, essa nova técnica de exame pode se mostrar útil para orientar punções transbrônquicas de gânglios infartados no mediastino. É provável que venha a se tornar um bom método para a obtenção de material no diagnóstico de doenças que cursam com adenomegalias, tais como sarcoidose, silicose, histoplasmose, etc.
27 – A quais doenças colágeno-vasculares se associa um comprometimento pulmonar intersticial?
O comprometimento pulmonar nas colagenoses é um assunto bastante complexo. Praticamente todas as doenças colágeno-vasculares podem cursar com algum tipo de comprometimento pulmonar. Além disso, os padrões histológicos, mesmo em uma única doença, podem ser muito variáveis e incluem pneumonia intersticial não específica (PINE), pneumonia intersticial usual (PIU), pneumonia organizante (PO), pneumonia intersticial linfocítica (PIL), dano alveolar difuso (DAD), bronquiolite constritiva (BC), etc.A artrite reumatóide é uma doença bastante comum e cursa na maioria das vezes com PINE, PIU ou PIL. O comprometimento pulmonar na esclerose sistêmica e doença mista do tecido conectivo é ainda mais frequente do que na artrite reumatóide, mas estas são doenças colágeno-vasculares mais raras. Na esclerose sistêmica, são encontrados principalmente quadros de PINE e PIU. O comprometimento intersticial de evolução crônica no lúpus eritematoso sistêmico existe, mas não é tão frequente assim. Nessa condição são muito mais importantes os quadros de instalação aguda, tais como dano alveolar difuso e hemorragia alveolar. Vale a pena ressaltar que, por vezes, as queixas respiratórias de um paciente com colagenose não são devidas a DIP, mas podem ser explicadas por quadros de hipertensão pulmonar, fraqueza da musculatura respiratória, episódios aspirativos de repetição, etc.
28 – Quando é necessária uma exploração diagnóstica adicional em um paciente com diagnóstico definido de doença colágeno vascular e um padrão intersticial na avaliação radiológica?
Todo paciente com doença colágeno vascular e imagem pulmonar merece avaliação tomográfica e funcional mais profunda. Uma TCAR inicial e a cada ano é útil para se ter idéia da extensão, natureza e progressão do comprometimento. Espirometrias e estudos das trocas gasosas devem ser feitos periodicamente em geral a cada seis a 12 meses.Broncoscopias com LBA e biópsias transbrônquicas sempre estarão indicadas naqueles casos de instalação aguda ou subaguda com a finalidade de excluir infecção e na tentativa de confirmar diagnósticos como dano alveolar difuso, hemorragia alveolar, pneumonia em organização, etc. Nessas situações, na dependência do quadro clínico e, por vezes, da falta de resposta a um tratamento empírico com antibióticos ou esteróides, poderá ser necessária a indicação de biópsias por videotoracoscopia ou toracotomia, visando uma orientação terapêutica adequada.Em infiltrados de instalação crônica com repercussão clínica ou funcional significativa, é desejável a realização de broncoscopias com LBA e biópsias transbrônquicas antes da instalação de um tratamento mais agressivo. Essa conduta tem por finalidade tentar excluir o diagnóstico de outras DIPs não associadas a doença colágeno-vascular ou, mais uma vez, infecções. Na dependência da extensão e do aspecto tomográfico das lesões, bem como da velocidade da deterioração funcional e do grau de resposta a terapia com esteroides e/ou imunossupressores, uma biópsia pulmonar por videotoracoscopia ou toracotomia deverá ser indicada.
29 – O que é síndrome do anticorpo anti-sintetase e quais as manifestações pulmonares associadas?
As doenças colágeno vasculares polimiosite (PM) e dermatomiosite (DM) podem estar associadas a diversas manifestações respiratórias, entre as quais fraqueza muscular diafragmática e intercostal, síndromes aspirativas, neoplasias e doença intersticial pulmonar. A DIP associada a miosites não é tão comum assim, sua incidência girando em torno de 10% dos casos. Do ponto de vista histológico, o comprometimento pulmonar da PM e DM pode adquirir diversas formas, destacando-se a PINE, a BOOP e o dano alveolar difuso.Uma forma distinta de apresentação das miosites costuma estar associada à presença de anticorpos contra amino-acetil-sintetases do RNA transportador. Tal apresentação é denominada de “síndrome anti-sintetase” e clinicamente caracteriza-se por doença de início agudo, febre e sintomas gerais, ocorrência de fenômeno de Raynauld, lesões cutâneas do tipo “mãos de mecânico”, artrites e infiltrados pulmonares intersticiais. A ocorrência de infiltrados pulmonares difusos, de instalação e progressão rápidas, é muito comum na síndrome anti-sintetase, justificando a necessidade de pronto diagnóstico e introdução de terapia imunossupressora, com corticosteróides em altas doses e agentes citotóxicos, geralmente ciclofosfamida.É interessante notar que, em muitos desses casos, o comprometimento pulmonar agudo, geralmente BOOP associada a áreas de DAD, ocorre com pouca ou nenhuma miosite e valores sanguíneos de enzimas musculares normais. Nessa situação o diagnóstico da condição pode se tornar muito difícil e fica na dependência da detecção de anticorpos do tipo anti-Jo-1, OJ, EJ, PL-7, PL-12, entre outros. Infelizmente, com exceção do primeiro anticorpo, tais testes não estão disponíveis rotineiramente no Brasil.
30 – Qual a importância da doença pulmonar intersticial associada a esclerose sistêmica e como ela pode ser tratada?
A DIP acomete mais de 80% dos pacientes com esclerose sistêmica (ES) e é, atualmente, o principal fator que leva a morte desses pacientes. A sobrevida, em 9 anos de acompanhamento, de pacientes com ES e comprometimento pulmonar gira em torno de 30%, enquanto a dos pacientes sem esse problema é de 72%.Histologicamente os padrões que costumam ser encontrados são a PINE, mais frequentemente, e a PIU. Não se pode esquecer que a doença vascular pulmonar também é muito comum na ES, podendo levar a quadros graves de hipertensão arterial pulmonar. A presença de DIP é mais comum na forma cutânea disseminada da doença.Devido a alta frequência de DIP, pacientes com ES devem ser submetidos a radiografia de tórax, espirometria com medidas de DLCO e TCAR no momento do diagnóstico e, a partir daí, periodicamente. O mesmo se aplica a realização de ecocardiograma Doppler. Em pacientes com doença na forma localizada, tais exames podem ser feitos anualmente. A realização de radiografia e espirometria com DLCO deve ser semestral, em doentes com a forma disseminada da moléstia.

Diante de um paciente com ES e evidências de DIP está indicada a realização de broncoscopia com a obtenção de LBA e biópsias transbrônquicas, principalmente no intuito de excluir fenômenos aspirativos, infecções ou alguma pneumopatia não relacionada com a doença. Pacientes com doença mais extensa na TCAR costumam mostrar contagens de neutrófilos mais elevadas no LBA. Contudo, o valor prognóstico das contagens celulares no LBA de pacientes com ES e comprometimento pulmonar ainda não está claro. Muito embora, em alguns casos, possa ser necessário indicar biópsias pulmonares cirúrgicas, na grande maioria das vezes, tais pacientes podem ser manipulados de maneira não invasiva.

Acumulam-se evidências que o uso de corticosteróides em baixas doses, associados a imunossupressores, pode ser benéfico no tratamento da DIP associada a ES. O imunossupressor geralmente utilizado é a ciclofosfamida por via oral (2 mg/kg/dia), ou na forma de pulsos intravenosos mensais (0,75-1,0 gr/m2/dose). As doses de esteróides geralmente giram entre 10-20 mg de prednisona oral ao dia. O momento correto de se iniciar o tratamento ainda é motivo de incertezas. O tratamento costuma ser introduzido em pacientes sintomáticos ou com alterações de dados funcionais respiratórios. Admite-se que as chances de resposta são maiores em doença de início recente (12-24 meses), na presença de predomínio de áreas em vidro despolido na TCAR e quando for detectada queda progressiva da função pulmonar em exames sequenciais.

O uso da ciclofosfamida envolve monitoração continuada devido ao risco de toxicidade hematológica e cistite hemorrágica. Daí a necessidade da realização de hemogramas e exames de urina periódicos. A droga deve ser suspensa quando a contagem total de leucócitos for inferior a 3500/mm3. Outros problemas associados ao uso da ciclofosfamida são os riscos de infertilidade e neoplasias a longo prazo. Alguns autores preconizam o uso profilático da associação sulfametoxazol-trimetropim contra possíveis infecções oportunistas por Pneumocistis jerovencii. Muitos autores afirmam que a incidência de efeitos colaterais graves com o uso de ciclofosfamida intravenosa é menor do que a oral, contudo, ainda faltam evidências claras dessa afirmação.

Os dados disponíveis indicam que o uso de prednisona e ciclofosfamida na DIP associada a ES leva a interrupção ou redução do ritmo de queda da função pulmonar, com melhora da qualidade de vida relacionada a saúde. O tempo que deve ser mantida a terapia com ciclofosfamida é incerto. Devido à gravidade dos efeitos colaterais potenciais, habitualmente esse imunossupressor é usado entre 6 e 12 meses, sendo a seguir substituído por azatioprina por longo prazo.

Devemos também estar sempre atentos para a possibilidade da instalação de hipertensão pulmonar em pacientes com ES, que leve a necessidade de introdução de terapia específica com sildenafil ou agentes com ação nos receptores da endotelina, como a bosentana.

31 – Que papel desempenham os novos agentes biológicos usados no tratamento das doenças colágeno-vasculares no controle da doença pulmonar associada?
Em anos recentes temos observado o desenvolvimento de novas drogas com atuação direta em mediadores inflamatórios ou tipos celulares específicos. Tais agentes guardam o potencial de interferir de maneira mais agressiva e específica nas respostas inflamatórias e influenciar a história natural das doenças. Essas medicações estão sendo introduzidas no tratamento de inúmeras moléstias de cunho auto-imune, particularmente as doenças colágeno-vasculares. Exemplos dessas medicações são os agentes anti-TNF-α etarnecept e infliximab, o anticorpo anti interleucina-6 tocilizumab e o anticorpo anti CD20 rituximab.Embora tais agentes possam vir a ter algum papel no tratamento das DIPs associadas às doenças colágeno vasculares no futuro, no momento em que este texto é escrito, faltam evidências concretas da sua real efetividade nessas condições. Inclusive, já foram descritos casos de toxicidade pulmonar direta relacionada ao uso de etarnecept e infliximab em pacientes com artrite reumatóide. Portanto, os esteroides e imunossupressores tradicionais continuam sendo as principais armas terapêuticas nessas condições.
32 – Qual a avaliação clínica-laboratorial indicada em um paciente com sarcoidose recém diagnosticada?
O acometimento clínico mais comum associado à sarcoidose é certamente o pulmonar. Nesse contexto, a espirometria, preferencialmente acompanhada pela medida da difusão do monóxido de carbono, e o teste da caminhada dos seis minutos, ou teste do degrau, deverão ser realizados sempre.Contudo, não podemos esquecer que esta moléstia frequentemente adquire caráter sistêmico. Portanto, um paciente com diagnóstico de sarcoidose deve ser submetido a detalhado interrogatório sobre possíveis sintomas de acometimento dos diversos órgãos. Entre variados sintomas, devemos estar bastante atentos à presença de perturbações visuais, cefaléia, palpitações, síncopes, rouquidão, sintomas digestivos e antecedentes de litíase renal. O exame físico também deve ser minucioso, com especial atenção à presença de adenomegalias, comprometimento parotídeo, hepato-esplenomegalias, achados pulmonares, manifestações neurológicas e a presença de arritmias cardíacas. Rotineiramente devem ser pedidos hemograma, função renal e hepática, calcemia e calciúria de 24 hs. Obrigatoriamente devem ser realizados avaliação por oftalmologista e eletrocardiograma. Exames complementares adicionais deverão ser pedidos quando forem detectados achados que levem à suspeita de outros comprometimentos extra-pulmonares, tais como ultra-som abdominal, ecocardiograma, holter, mielograma, tomografia de crânio ou ressonância magnética do sistema nervoso central.O mapeamento pulmonar com gálio 67 pode ser um método útil de detecção de acometimento multi-sistêmico, particularmente quando houver inflamação em paróticas, gânglios mediastinais e miocárdio. Do mesmo modo, a tomografia de emissão de pósitrons com 18F-FDG poderá mostrar captação em diversos pontos corporais. É importante salientar que, devido ao caráter inespecífico da captação desses radio-fármacos, a utilidade desses últimos testes não é diagnóstica.

O diagnóstico de sarcoidose miocárdica frequentemente se mostra tarefa muito difícil e só é definitivamente estabelecido por meio de biópsias endomiocárdicas.

33 – Como é feito o estadiamento radiológico da sarcoidose?
Classicamente o estadiamento da sarcoidose torácica. Vale salientar que esta classificação é baseada unicamente nos achados da radiografia simples de tórax e não na TCAR. Além disso, ainda hoje não está claro se a doença segue obrigatoriamente uma evolução progressiva por todos os estágios.
34 – Como deve ser feito o tratamento de pacientes com sarcoidose pulmonar?
Predizer o prognóstico e a evolução de um caso de sarcoidose é difícil. Aproximadamente dois terços dos casos de sarcoidose pulmonar acabam por exibir remissão espontânea. Tais remissões são mais comuns nos estágios iniciais da doença (I e II) e incomuns nas fases mais avançadas. Esses fatos dificultam o estabelecimento de regras rígidas para tratamento da doença. Além disso, sabidamente a sarcoidose é uma doença altamente responsiva aos corticosteroides.De maneira geral admite-se que pacientes assintomáticos em estágio I não devem ser tratados com esteroides. Pacientes assintomáticos no estágio II, sem alterações da função pulmonar significativas, podem ser apenas acompanhados clinicamente por até seis meses. Havendo piora dos sintomas ou sinais de deterioração radiológica ou funcional o tratamento com esteroides está indicado. Em presença de reversão espontânea ou estabilidade, um acompanhamento clínico trimestral deverá ser mantido. Como as chances de regressão espontânea da doença em estágio III são menores, há uma tendência da introdução de tratamento nesse grupo de pacientes mais precocemente. Nos pacientes em fase muito avançada (estágio IV), a decisão do uso de esteroides deve ser feita caso a caso, em função da presença, ou não, de sinais radiológicos sugestivos de lesões fibróticas irreversíveis.Havendo comprometimentos neurológico, ocular, miocárdico, renal e hipercalcemia mantida (apesar de mudanças na dieta), o tratamento com esteroides deverá ser introduzido sempre. Outra indicação de corticosteroides sistêmicos é a presença de doença cutânea deformante e sintomas gerais, tais como artralgias, astenia ou febre, excessivamente pronunciados.

As doses de corticosteroides orais geralmente utilizadas giram entre 0.5 e 1,0 mg por quilo de peso de prednisona, ou equivalente, por 4 a 6 semanas, com retirada progressiva em função da resposta clínica. O tratamento costuma ser mantido por períodos entre 6 e 9 meses, muito embora alguns pacientes acabem necessitando manutenção com pequenas doses por anos.

Nos casos em que houver contra-indicações, intolerância ou ausência de resposta aos corticosteroides, a melhor opção atual é o uso de metotrexato por via oral. Costuma-se iniciar o tratamento com doses de 7,5 mg por semana, podendo chegar até 15 mg semanais. Mais comumente o paciente faz a tomada da medicação na forma de um ciclo, no começo da semana, em três doses separadas a cada 12 horas. Os efeitos colaterais mais sérios desta droga são a hepatotoxicidade e a depressão medular, sendo necessários contagens hematológicas e hemogramas mensais. As respostas a este tratamento são melhor avaliadas decorridos 6 meses de tratamento. Doses totais superiores a 5 g podem levar a fibrose hepática.

Estudos recentes sugerem um papel para agentes antagonistas do TNF-α no tratamento da sarcoidose, particularmente em casos refratários à terapia esteroidal. Tanto o etanercept como o infliximab foram estudados dentro desse último contexto. Contudo, no momento não existem evidências conclusivas para o uso rotineiro de tais medicações no tratamento da sarcoidose.

35 – Como pode ser monitorada a resposta ao tratamento de pacientes com sarcoidose pulmonar?
A maneira mais simples e direta de se avaliar a resposta ao tratamento de um paciente com sarcoidose pulmonar é por meio de radiografias de tórax e estudos da função pulmonar repetidos. Exames realizados a cada três meses oferecem uma boa medida da evolução do processo. Geralmente chega-se a um ponto em que a imagem radiológica desaparece completamente ou estabiliza. Do mesmo modo, costuma-se chegar a um ponto em que a função pulmonar atinge um patamar de valores. Uma vez atingido isso é hora de começar a redução progressiva até a o momento da possível retirada dos corticosteroides. Pioras consistentes dos sintomas, imagem radiológica ou função pulmonar são indicação da reintrodução da medicação ou retomada das doses anteriores. É natural que, quando for detectado acometimento sistêmico na avaliação inicial, outros exames também sejam realizados periodicamente, na dependência do tipo de lesão, tais como, calcemia, enzimas hepáticas, etc. O acompanhamento da evolução do tratamento da sarcoidose cardíaca pode ser difícil e envolve a avaliação clínica periódica, eletrocardiogramas de repetição, e mesmo requerer a realização conjunta de mapeamentos com tálio 201 e gálio 67. Somos da opinião que em pacientes com sarcoidose, elevações isoladas dos níveis da enzima conversora da angiotensina não têm significado clínico e que esse teste não deve ser solicitado rotineiramente.
36 – Quais são as descobertas recentes acerca da patogênese e tratamento da linfangioleiomiomatose?
A linfangioleiomiomatose (LAM) é uma doença pulmonar rara que acomete basicamente mulheres, a maioria em idade fértil. Ela se caracteriza pela proliferação de fibras musculares lisas ao longo dos linfáticos e a formação de cistos pulmonares difusos. Clinicamente as pacientes costumam queixar-se de dispnéia e exibir episódios de pneumotórax de repetição. Quilotórax e tumorações abdominais (linfadenomegalias, angiomiolipomas e linfangiomiomas) também podem estar presentes em até 50% dos casos. A função pulmonar costuma mostrar quadros de obstrução progressiva e grave; radiologicamente, pode-se observar hiperinsuflação pulmonar difusa e cistos disseminados. A influência estrogênica na doença parece ser importante, já que a moléstia não acontece antes da adolescência e é rara após a menopausa. Além disso, progressão acelerada da doença pode ser observada durante a gravidez. Ainda não existe um tratamento comprovadamente eficaz para essa condição, a sobrevida girando em torno de 10 anos após o diagnóstico.Nos últimos anos uma grande quantidade de novos conhecimentos tem sido acumulada sobre essa doença. É bem reconhecido, atualmente, que a patogênese da LAM é intimamente relacionada com a do Complexo da Esclerose Tuberosa (CET). Quadros de LAM ocorrem em 30% das mulheres com manifestações do CET, tais como lesões cutâneas, convulsões, lesões do sistema nervoso central e tumores diversos. A LAM que aparece sem manifestações de CET é chamada de LAM esporádica, e corresponde a 85% de todos os casos habitualmente diagnosticados.Uma publicação recente da European Respiratory Society levanta três possibilidades diagnósticas frente a uma paciente com suspeita de LAM:

  • LAM definitiva: (i) presença de TCAR característica ou compatível associada a biópsia pulmonar característica ou (ii) TCAR característica mais uma das seguintes características: a) angiomiolipoma renal, b) derrame pleural ou ascite quilosa, c) linfangioleiomioma ou nódulo linfóide com alterações histológicas compatíveis, d) presença de alterações compatíveis com CET;
  • LAM provável: (i) TCAR característica e história clínica compatível ou (ii) TCAR compatível associado a a) angiomiolipoma renal ou b) derrame pleural ou ascite quilosa;
  • Possível LAM: TCAR característica ou compatível, sem outros achados.

LAM e o CET são causadas por mutações nos chamados genes da esclerose tuberosa (TSC1 e TSC2). As pacientes com LAM muito mais frequentemente exibem mutações nos genes TSC2. Tais genes controlam o crescimento e motilidade celular, através de vias de sinalização intracelulares. A deficiência ou disfunção de proteínas envolvidas nessas vias, a hamartina e a tuberina, resultam na perda da regulação de sinais e maior expressão de quinases, levando a multiplicação celular, migração e invasão. Em pacientes com CET as mutações estão presentes em todas as células do corpo, enquanto que na LAM esporádica, apenas nos pulmões, rins e linfonodos. É bom lembrar que, enquanto existe transmissão da LAM associada ao CET, não foi ainda descrita a transmissão genética de casos de LAM esporádica. De fato, o CET transmitisse por herança mendeliana dominante com penetração variável. Para muitos autores, na LAM esporádica seria observado um verdadeiro mosaico entre células com a mutação do gene TSC2 e células normais. Tais mosaicos ocorreriam apenas nos órgãos acometidos. O mecanismo que levaria à formação desses mosaicos ainda não está estabelecido.

O conhecimento dos processos envolvidos com o estabelecimento da doença levou a proposta de um tratamento específico. A droga rapamicina é capaz de interferir nas vias de sinalização intracelular em sentido oposto ao da falta de tuberina. Estudos preliminares mostraram que o uso de rapamicina por 12-24 meses levou a redução dos volumes dos angiomiolipomas renais e melhora da capacidade vital forçada e do volume expirado forçado no primeiro segundo de alguns pacientes. No momento encontra-se em andamento um grande ensaio clinico voltado a confirmação desses achados.

Enquanto não existe uma posição definitiva quanto ao uso de rapamicina no tratamento da LAM, a melhor opção terapêutica, para pacientes que venham apresentando deterioração funcional rápida, ainda é o uso da progesterona, seja na forma de depósito mensal (400 mg/mês), ou via oral diária (20 mg/dia), apesar de que a sua real efetividade seja discutível.