Pulmão e colagenoses

1 – Quais as doenças do tecido conjuntivo que cursam com envolvimento pulmonar?
O pulmão é um órgão alvo freqüente nas colagenoses devido à sua vascularização e tecido conjuntivo abundantes. As formas de acometimento são múltiplas. De grande importância, pela sua alta morbidade e mortalidade, são as pneumonias intersticiais. A estimativa de prevalência de doença intersticial pulmonar nas colagenoses é alta, mas apresenta uma grande variedade de resultados a depender da sensibilidade dos métodos diagnósticos utilizados nos estudos. A lista seguinte mostra as principais doenças reumatológicas, que podem se apresentar com envolvimento pulmonar.

Doença Reumatóide (DRe)

Espondilite Anquilosante (EA)

Esclerose Sistêmica Progressiva (ESP)

Granulomatose de Wegener (GW)

Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES)

Poliangeíte Microcópica (PAm)

Doença Mista do Tecido Conjuntivo (DMTC)

Síndrome de Churg Strauss (SCS)

Dermatopolimiosite (DMPM)

Síndrome de Goodpasture

Síndrome de Sjögren (SS)

Doença de Behçet

2 – Quando suspeitar que um paciente com doença pulmonar tem uma colagenose?
Durante a avaliação clínica, a presença de alguns sinais e sintomas, podem levantar a suspeita de uma colagenose associada. É fundamental uma anamnese detalhada direcionada para a presença de sinais e sintomas de acometimentos articulares, musculares, cutâneos e sistêmicos. O quadro seguinte correlaciona algumas alterações com as respectivas síndromes. Cerca de 30% dos pacientes com doença pulmonar difusa apresentam um ou mais dos seguintes sintomas sem, no entanto, apresentar critérios suficientes para o diagnóstico de uma síndrome específica.

Rigidez matinal > 45min

Dre

Artralgia

Dre, LES, ESP, DMPM, SS, DMTC

Edema articular

Dre, LES, DMTC

Espessamento cutâneo

ESP, DMTC

Disfagia

ESP, DMPM, DMTC

Fraqueza muscular/mialgia

DMPM, DMTC, GW

Fenômeno de Raynaud

ESP, DMTC, DMPM, LES

Fotossensibilidade

LES, DMTC

Xerostomia/ xeroftalmia

SS

Serosite

LES, DMTC

Neuropatia

LES, vasculites

Púrpura

Vasculites, LES

Rinossinusopatia

GW

Úlceras orais e genitais

Doença de Behçet

3 – Qual o papel dos testes sorológicos na investigação diagnóstica das colagenoses?
Uma característica comum a muitas doenças sistêmicas autoimunes é a presença de anticorpos circulantes direcionados contra componentes celulares. Cada doença autoimune tem um espectro característico desses autoanticorpos, alguns desses anticorpos estão associados quase que exclusivamente a determinadas doenças e podem ser usados como marcadores. O fator antinúcleo (FAN) tem uma baixa especificidade, no entanto é um teste sensível e, quando presente, indica a pesquisa de outros autoanticorpos. Quando o anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA) é positivo, ele pode sugerir a presença de vasculite sistêmica. O ANCA tem a vantagem de servir como um marcador nas vasculites e atualmente é aceita uma classificação sorológica/patológica das vasculites de pequenos vasos em dois grupos: as vasculites associadas a imunocomplexos e as associadas ao ANCA. As últimas incluem: granulomatose de Wegener; poliangeíte microscópica; síndrome de Churg Strauss e glomerulonefrite pauci-imune.

O quadro abaixo mostra alguns autoanticorpos, as síndromes comumente associadas às suas presenças e a sensibilidade do teste entre parênteses.

FAN

LES (99%), DRe (30 a 50%), ESP (60%), SS (80%), DMTC (100%)

Anti-Sm

Específico para LES (15 a 30%)

Anti-DNA dupla fita

Específico para LES, marcador de atividade (30 a 70%)

Anti-RO/SSA

LES (24 a 60%), SS (60 a 70%)

Anti-LA/SSB

LES ( 9 a 34%), SS (10%)

Antitopoisomerase (Scl 70)

ESP (20 a 30%)

Anti-RNA polimerase

ESP (20%)

Anticentrômero

Esclerodermia limitada/CREST (70 a 90%)

Anti-Mi2

DPM

Anti-JO1

DPM/PM (20%)

Anti-histona

LES induzido por drogas (95%)

U1-RNP

Critério necessário para DMTC (100%), ESP (40%), LES

ANCA-c

Marcador de atividade na GW (30-90%), SCS

ANCA-p

PAm (58%), GW (20%),

4 – Quais os sinais de doença pulmonar nos pacientes com colagenoses?
Os sintomas mais característicos do acometimento pulmonar são dispnéia aos esforços e tosse seca persistente. Ao exame físico, o achado mais típico é a presença de estertores crepitantes que são auscultados geralmente nas bases de ambos hemitórax. Baqueteamento digital e cianose também podem estar presentes e são indicativos de doença pulmonar avançada. Nos pacientes com fenômeno de Raynaud, a cianose de extremidades pode estar presente na ausência de doença pulmonar. Em pacientes com estilo de vida sedentário ou com limitações do sistema locomotor determinadas pela doença de base, a doença pulmonar pode se desenvolver de forma subclínica e a dispnéia se apresentar tardiamente, quando já existir um comprometimento pulmonar extenso. Portanto, é justificado a avaliação laboratorial, radiológica e funcional de rotina, mesmo em pacientes assintomáticos que apresentem limitação de atividade física.

5 – Quais os principais diagnósticos diferenciais das doenças pulmonares intersticiais difusas nas colagenoses?
Em pacientes com doenças do colágeno existem múltiplas causas possíveis para um quadro de doença pulmonar difusa. Entre os principais diagnósticos diferenciais estão: pneumonite inrtersticial associada à colagenose; pneumopatia associada a drogas e infecções bacterianas ou por germes oportunistas devido á imunossupressão. Estabelecer se a causa da complicação respiratória é secundária ao uso de drogas ou pela doença autoimune representa um desafio, pois o envolvimento pulmonar apresenta padrões indistingüíveis nas duas situações e, muitas vezes, mesmo à histologia pois, dependendo do acometimento, não há achados patognomônicos. Entre as drogas utilizadas para o tratamento das colagenoses, as que mais comumente estão associadas à toxicidade pulmonar são o metotrexato (MTX), a penicilamina (DPA) e os sais de ouro. As complicações infecciosas ocorrem com maior freqüência entre os pacientes tratados com drogas citotóxicas e corticosteróides. Os principais agentes etiológicos são: micobactérias, bactérias gram negativas, Pneumocystis carinii, Aspergillus, Histoplasma capsulatum, Nocardia, Cryptococcus neoformans e citomegalovírus.

6 – Como deve ser feita a avaliação pulmonar de um paciente com colagenose que apresenta sintomas respiratórios?
A avaliação pulmonar é usualmente iniciada com a radiografia simples de tórax e com as provas de função pulmonar. Os testes de função pulmonar, além do valor diagnóstico, servem para medir a gravidade e monitorar a resposta ao tratamento. A doença intersticial difusa geralmente cursa com padrão restritivo, caracterizado por diminuição dos volumes pulmonares. A presença de padrão obstrutivo, com diminuição dos fluxos e aumento da capacidade pulmonar total é compatível com comprometimento bronquiolar associado. A medida da difusão, através da técnica do monóxido de carbono (DCO), não é específica e pode estar diminuída nos quadros restritivos, obstrutivos e vasculares. No entanto, a DCO é um teste sensível e pode apresentar alterações quando os achados da espirometria simples ainda se encontram normais. Estudos recentes evidenciaram que a DCO, expressa em porcentagem do esperado, é o índice funcional que melhor se correlaciona com a extensão da pneumonia intersticial avaliada pela tomografia de tórax de alta resolução e que a DCO é o indicador prognóstico de sobrevida mais importante em pacientes com esclerose sistêmica progressiva. Uma avaliação mais sofisticada que sensibiliza o achado de alterações da difusão é o teste cardio-pulmonar de esforço. Outro teste fundamental bastante simples e de fácil realização é a oximetria de pulso, que vai trazer informações sobre as trocas gasosas.

7 – Quais as alterações mais comuns na radiografia simples de tórax?
A radiografia simples de tórax tem as vantagens de ser um exame de fácil acesso, baixo custo e poder ser realizado periodicamente. Apesar do método apresentar limitações devido à superposição e baixa resolução da imagem, pode evidenciar uma grande variedade de alterações, como o comprometimento pulmonar intersticial nas colagenoses, caracterizado por opacidades reticulares simétricas que geralmente são mais visíveis nas porções inferiores; opacidades alveolares difusas ou segmentares; doença pleural com derrame ou espessamento; sinais de hipertensão pulmonar; nódulos; cistos; cavitações; elevação de cúpulas pulmonares; atelectasias laminares ou sinais de hiperinsuflação pulmonar. Quando existem alterações sugestivas de comprometimento intersticial, é necessária uma avaliação complementar mais detalhada com a tomografia computadorizada de tórax de alta resolução (TCAR).

8 – Quando solicitar a tomografia de tórax na avaliação dos pacientes com colagenose?
A introdução na prática clínica da tomografia de tórax e, em particular, a tomografia de alta resolução aumentou a prevalência descrita de comprometimento pulmonar nas colagenoses, por permitir um diagnóstico mais precoce das pneumonias intersticiais e por revelar algumas formas de comprometimento não suspeitadas na avaliação com a radiografia de tórax. A TCAR está indicada na avaliação complementar de pacientes que apresentam alterações sugestivas de doença intersticial à radiografia simples ou nos testes de função e em pacientes sintomáticos nos quais a radiografia ou os testes funcionais não foram capazes de identificar alterações. Embora recomendada por alguns autores, o valor da TCAR é ainda incerto na avaliação de rotina em pacientes assintomáticos, portadores de colagenoses que têm alta probabilidade de desenvolver pneumopatia intersticial (ex: esclerose sistêmica progressiva, doença mista do tecido conectivo ou doença reumatóide em pacientes do sexo masculino com altos títulos de fator reumatóide). Durante o seguimento dos pacientes com um quadro intersticial já diagnosticado, a TCAR pode ser útil para se ter uma idéia da progressão ou da resposta ao tratamento, podendo ser solicitada anualmente ou de acordo com a alteração do quadro clínico.

9 – Como deve ser realizada a tomografia de tórax na avaliação dos pacientes com colagenose?
Quando a intenção do exame for o estudo detalhado do parênquima pulmonar, o clínico deve especificar a necessidade de cortes finos ou alta resolução. O comprometimento pulmonar nos quadros intersticiais nas colagenoses costuma predominar nas porções basais e periféricas e o posicionamento do paciente em decúbito ventral pode oferecer maior especificidade ao exame, pois afasta o componente de congestão dependente da gravidade nessas regiões. Nos pacientes com suspeita de bronquiolite, o exame deve ser solicitado com cortes também em expiração máxima, que aumentam a sensibilidade para o padrão em mosaico do represamento aéreo. A TCAR sem contraste também possibilita uma avaliação dos vasos pulmonares: uma relação artéria/brônquio >1 e um diâmetro do tronco da artéria pulmonar > 29 mm sugerem hipertensão pulmonar.

10 – Qual o papel da broncoscopia e do lavado broncoalveolar nos pacientes com pneumopatias intersticiais?
Investigações recentes em pacientes com colagenoses têm evidenciado que o estudo do lavado broncoalveolar pode apresentar sinais de inflamação precocemente, quando as alterações aos outros métodos laboratoriais são ausentes ou mínimas, classificando esses quadros em alveolites subclínicas. No entanto, até o momento não se confirmou o impacto desse diagnóstico na evolução da doença e no momento, a principal finalidade do LBA está em descartar os processos infecciosos e granulomatosos no diagnóstico diferencial do comprometimento pulmonar pelas colagenoses. O exame pode ainda ser útil quando existe suspeita de hemorragia alveolar, pneumonia em organização ou dano alveolar difuso. A observação direta, durante a progressão do aparelho, pode identificar inflamação da nasofaringe e estreitamento dos brônquios na granulomatose de Wegener e quadros de laringite por refluxo em pacientes com esclerose sistêmica ou comprometimento esofágico de outra origem.

11 – Quando é necessária a realização da biópsia cirúrgica na avaliação da doença intersticial pulmonar dos pacientes com colagenose?
A biópsia transbrônquica oferece um material muito exíguo e não é satisfatória para o diagnóstico histológico das pneumonias intersticiais difusas. A biópsia pulmonar cirúrgica pode ser obtida através de toracotomia ou videotoracoscopia. É o exame padrão ouro no diagnóstico das pneumonias intersticiais difusas, no entanto é um exame invasivo e sua necessidade para a condução do tratamento tem sido muito debatida. Estudos recentes sugerem que a classificação histológica é de grande valor na orientação terapêutica e na determinação do prognóstico dos pacientes com colagenoses e doença pulmonar difusa.

12 – Qual o local ideal para se retirar os fragmentos na biópsia cirúrgica?
O pneumologista ao solicitar a biópsia deve orientar o local de onde devem ser retirados os fragmentos baseando-se nos achados tomográficos, devendo fugir das áreas onde não há comprometimento evidente ou onde há aspecto de pulmão em estágio terminal, com extenso faveolamento. O ideal é a retirada de fragmentos em pelo menos dois sítios diferentes, como por exemplo, um fragmento do lobo médio e outro do lobo inferior direito ou em dois segmentos diferentes do lobo inferior, porém, sempre orientado de acordo com os achados da TCAR sugestivos de lesão parenquimatosa em atividade.

13 – Quais as alterações histopatológicas pleuropulmonares mais comuns nas colagenoses?
As alterações histopatológicas são agrupadas de acordo com o compartimento acometido:

PLEURA
pleurite fibrinosa aguda, pleurite fibrinosa organizante e fibrose pleural
VIAS AÉREAS
bronquiolite folicular, bronquiolite constritiva ou obliterante, bronquiolite folicular e bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP) ou pneumonia organizante crônica (COP).
PARÊNQUIMA/ALVÉOLOS
hemorragia alveolar, BOOP ou COP, dano alveolar difuso, pneumonia intersticial usual (UIP), pneumonia intersticial não específica (PINE) e pneumonia intersticial linfocítica(LIP).
VASOS
hipertensão pulmonar, vasculites necrotizantes e granulomatosas, aneurismas falsos e verdadeiros.
14 – Como é caracterizado o envolvimento pleural nas colagenoses e como fazer o diagnóstico diferencial?

As colagenoses que mais freqüentemente evoluem com derrame pleural são o lúpus eritematoso sistêmico e a artrite reumatóide. Mais de 50% dos pacientes com LES desenvolvem derrame pleural no curso da doença. A biópsia pleural usualmente mostra um padrão não específico de inflamação mononuclear crônica, sendo comuns o espessamento pleural e a fibrose. Os derrames são geralmente bilaterais, o aspecto é seroso ou serossanguinolento e a citologia do líquido mostra celularidade bastante variável. O teste mais útil no diagnóstico da pleurite lúpica é o teste de FAN no fluido pleural, a maioria dos pacientes apresenta títulos >1:320. A resposta ao tratamento com corticosteróides é usualmente rápida e a drenagem torácica geralmente não é necessária.

Nos pacientes com Dre, são mais comuns os quadros de espessamento pleural e fibrose sem derrame. Cerca de 5% dos pacientes evoluem com exudação, que é geralmente unilateral e de volume pequeno a moderado, em 25% dos casos é bilateral e ocasionalmente pode ser volumoso. O derrame reumatóide pode ter aspecto seroso ou opaco. Notavelmente, empiemas ocorrem com freqüência aumentada nos pacientes com DRe e os exames de bacterioscopia, pesquisa de BAAR e as culturas são necessários para afastar as causas infecciosas. A toracocentese normalmente é suficiente na avaliação diagnóstica e a drenagem na resolução do derrame, no entanto, em alguns casos, pode ser necessário o uso de corticosteróides e, em derrames recorrentes, a pleurodese química ou mecânica pode prevenir recidivas.

O quadro abaixo resume as características dos derrames pleurais no LES e na Dre.

LÍQUIDO PLEURAL

LES

DRe

Proteína LP/SORO

>0,5

>0,5

DHL LP/SORO

>0,6

>0,6, DHL>1000

Glicose

>70

7,2

<7,2 Característica FAN>1:320

FR>1:320

Citologia

Células LE

Células ovais gigantes, multinucleadas

15 – Quais as complicações bronquiolares relacionadas às colagenoses e como são caracterizadas?
As desordens inflamatórias que acometem as pequenas vias aéreas (bronquíolo terminal e respiratório) nas colagenoses incluem:

Bronquiolite proliferativa ou BOOP

bronquiolite obliterante com pneumonia em organização, atualmente classificada como pneumonia organizante crônica

Bronquiolite constritiva ou bronquiolite obliterante

Bronquiolite folicular ou bronquiolite celular

Essas entidades histológicas podem ser observadas em uma variedade de outras condições além das colgenoses, como: reação enxerto versus hospedeiro pós transplante de pulmão ou de medula óssea, inalação de fumaça ou gases tóxicos, infecção, resposta a fármacos e idiopáticas. Elas têm diferentes características clínicas, respostas terapêuticas e prognósticos, conforme ilustrado a seguir.

.
Bronquiolite proliferativa

Bronquiolite constritiva

Bronquiolite folicular

Início

Agudo / subagudo

Crônico

Subagudo

Função

Padrão restritivo

Padrão obstrutivo

Padrão obstrutivo ou misto

Radiologia

Infiltrados alveolares segmentares

Hiperinsuflação, mosaico

Vidro fosco, mosaico, cistos

Histologia

Pólipos intrabronquiolares com envolvimento dos ductos e espaços alveolares (pneumonia em organização)

Estreitamento da luz bronquiolar com fibrose sem acometimento alveolar

Hiperplasia de folículos linfóides comprimindo a luz dos bronquíolos e com pneumonia lipóide distal

Corticóides

Resposta excelente (>80%)

Refratário ao tratamento

Resposta variável

Prognóstico

Raramente fatal (<8%)

Evolução inexorável, indicação de transplante pulmonar unilateral

Variável, associação com doenças linfoproliferativas

16 – Qual o tratamento da bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP) e da bronquiolite constritiva?
Os corticosteróides são considerados a droga de escolha para o tratamento da BOOP (COP), embora a dose ideal e a duração do tratamento não estejam claramente definidas. As doses sugeridas variam de 20 mg/dia a 1 mg/kg/dia de prednisona. Algumas publicações sobre séries de casos evidenciam o sucesso do tratamento com corticosteróides. Em 1992, King e Mortenson publicaram uma casuística sugerindo: 1,5 mg/kg/dia (até o máximo de 100 mg/dia) por 4 a 8 semanas, seguido de 0,5 a 1 mg/kg/dia por mais 4 a 6 semanas e se o quadro pulmonar estabilizar ou melhorar, seguir uma retirada gradual. Desmames rápidos estão associados a recidivas, portanto o paciente deve permanecer em tratamento por um período de 6 a 12 meses. Em pacientes com BOOP/COP grave e risco de vida, o tratamento deve ser iniciado com metilprednisolona 1000 mg/dia por 3 dias e mantido com prednisona. A bronquiolite constritiva costuma ser refratária, no entanto deve ser tentado o tramento com corticosteróides, que pode ser semelhante ao utilizada para a BOOP.

17 – Qual a classificação histológica das pneumonias intersticiais difusas?
As várias formas de pneumonias intersticiais associadas às colagenoses apresentam classificação histológica semelhante à utilizada nos quadros idiopáticos. Descrições prévias agrupando os diferentes subtipos histológicos numa única entidade levou a uma grande heterogeneidade na avaliação do curso clínico e grande dificuldade em estimar o prognóstico e a resposta ao tratamento. Estudos recentes avaliando as pneumonias intersticiais difusas nas colagenoses, através de biópsia cirúrgica, as classificam em:

Pneumonia intersticial usual (PIU)

Pneumonia intersticial não específica (PINE)

Pneumonia intersticial linfocítica (PIL)

Bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP)

Pneumonia intersticial aguda ou dano alveolar difuso (DAD).

Outro achado possível é a hemorragia alveolar.

18 – Quais as drogas utilizadas no tratamento das pneumonias intersticiais difusas associadas às colagenoses?
Atualmente as drogas mais utilizadas no tratamento são: os corticosteróides e a ciclofosfamida. Essas drogas foram avaliadas através de ensaios clínicos com um número muito limitado de pacientes. Nenhum desses estudos avaliou o impacto do tratamento na sobrevida, limitando-se a observar a resposta ao tratamento com testes funcionais e de imagem. Outra limitação comum aos estudos é a falta de uma classificação histológica, sendo que pacientes com diferentes subtipos são avaliados conjuntamente.

Os casos de BOOP e pneumonia intersticial linfocítica costumam apresentar bons resultados com a corticoterapia e o esquema já descrito para o tratamento das bronquiolites pode ser utilizado. A pneumonia intersticial não específica (PINE) tem resposta variável à corticoterapia e nos casos refratários deve se associar ciclofosfamida. Os casos de pneumonias com evolução aguda e que apresentam dano alveolar à biópsia evoluem com alta mortalidade e devem ser tratados com doses elevadas de corticosteróides em pulsoterapia,em associação a imunossupressores. A pneumonia intersticial usual (PIU) apresenta um curso mais indolente, porém costuma ser refratária ao tratamento. Alguns estudos avaliando pacientes com esclerose sistêmica e pneumopatia intersticial (sem classificação histológica) foram capazes de evidenciar resposta positiva (diminuição de extensão do vidro fosco à TCAR e aumento do CVF) ao tratamento com ciclofosfamida oral (2-2,5 mg/kg/dia) ou em pulsoterapia mensal (750 mg/m2), associada ou não à prednisona 10 mg/dia. A pulsoterapia com metilprednisolona também está indicada nas pneumonias intersticiais agudas e, principalmente, nos casos de hemorragia alveolar.

19 – Como são caracterizadas as complicações pulmonares decorrentes do uso das drogas anti-reumáticas?
Muitas das drogas utilizadas no tratamento das colagenoses podem apresentar toxicidade pulmonar e os padrões de acometimento secundário ao uso das drogas podem ser indistinguíveis das formas de envolvimento pela doença de base, sendo o diagnóstico diferencial muitas vezes difícil. Sérias complicações podem ser minimizadas pelo reconhecimento e intervenção precoce e os pacientes em uso dessas medicações devem ser submetidos a avaliação funcional e radiológica no início e durante o tratamento. A tabela seguinte mostra as lesões pulmonares mais freqüentemente associadas a essas drogas.

Pneumonia intersticial

Metotrexato, azatioprina, sulfassalazina, ciclofosfamida, sais de ouro

Bronquiolite obliterante

D-penicilamina, sais de ouro

BOOP

Metotrexato, sulfassalazina, sais de ouro

Broncoespasmo

Salicilatos, AINE, bifosfonatos

Edema pulmonar não cardiogênico

Ciclofosfamida, salicilatos, colchicina, AINE

Alveolite fibrosante

Metotrexato, sulfassalazina, azatioprina, ciclofosfamida

20 – Quais as formas de envolvimento pulmonar na doença reumatóide?
A DRe é a afecção do tecido conjuntivo mais comum, atingindo cerca de 2% da população. As manifestações pleuropulmonares são variadas e ocorrem mais freqüentemente em homens (apesar da doença ser mais freqüente no sexo feminino), na presença de títulos elevados de fator reumatóide e no contexto de doença articular mais agressiva. A TCAR é capaz de detectar comprometimento intersticial em 10 a 47% dos pacientes com Dre, o qual é caracterizado inicialmente por opacidades subpleurais bibasais que podem evoluir para alterações reticulares com faveolamento periférico. O prognóstico das pneumonias intersticiais difusas varia de acordo com o tipo histológico do comprometimento: pneumonia intersticial usual, pneumonia intersticial não específica, pneumonia intersticial aguda ou pneumonia intersticial linfocítica.

Entre as colagenoses, a DRe e a síndrome de Sjögren são as que mais freqüentemente cursam com comprometimento das grandes e pequenas vias aéreas e são comuns os achados tomográficos de represamento aéreo, bronquiectasias e bronquioloectasias, mesmo em pacientes assintomáticos. Os derrames pleurais ocorrem em cerca de 5% dos pacientes e geralmente estão relacionados à presença de nódulos pulmonares e subcutâneos. Quadros de hipertensão pulmonar e hemorragia alveolar difusa são descritos numa menor freqüência.

21 – Quais as formas de envolvimento pulmonar no lúpus eritematoso sistêmico (LES)?
As manifestações pulmonares no LES são freqüentes, ocorrendo em mais da metade dos pacientes em algum momento no curso da doença e podem se apresentar de maneira bastante diversa, acometendo pleura, parênquima, vasculatura pulmonar e os músculos respiratórios.

A pleura é o sítio mais freqüentemente acometido. Os pacientes com pleurite lúpica, costumam se apresentar com dor torácica, dispnéia e febre. Derrame pleural geralmente está presente, pode ser uni ou bilateral e o estudo do líquido revela um exudato com as características já descritas na questão 13. O tratamento com corticosteróides geralmente resulta em rápido alívio dos sintomas, mesmo nos pacientes com pleurite “seca”.

O parênquima pulmonar pode ser acometido através de extensa variedade de processos. Nos quadros agudos, os achados clínico-radiológicos não são específicos e podem caracterizar pneumonia infecciosa, pneumonite lúpica aguda ou hemorragia alveolar. Infecção respiratória é a causa mais comum de infiltrado pulmonar em pacientes com LES e uma investigação cuidadosa é mandatória em pacientes com essa apresentação: cultura de sangue e escarro e quando necessário LBA ou biópsia a céu aberto. O termo pneumonite lúpica é reservado para os processos inflamatórios agudos em que infecção já tenha sido excluída. Os pacientes afetados são usualmente tratados com corticosteróides (prednisona 1 a 2 mg/kg/d) com resposta favorável. Pacientes com falha terapêutica ou que evoluem para falência respiratória são submetidos a tratamentos mais agressivos: pulsoterapia com metilprednisolona, plasmaferese e o uso de imunossupressores (ciclofosfamida e azatioprina).

22 – Como se caracteriza o envolvimento pulmonar na esclerose sistêmica progressiva?
A ESP é uma doença autoimune caracterizada por lesão endotelial com acometimento fibroso da pele e de outros órgãos. A extensão do envolvimento cutâneo classifica a doença em difusa e limitada, incluindo a síndrome CREST (calcinose, Raynaud, dismotilidade esofágica, esclerodactilia e telangiectasia). As duas formas mais comuns de comprometimento pulmonar são a fibrose pulmonar e a hipertensão pulmonar. A doença pulmonar intersticial é freqüente e ocorre nas formas limitadas e difusas da doença e está presente em mais de 80% das necropsias. Doença pulmonar clinicamente detectável com restrição de moderada a severa ocorre em torno de 40% do pacientes com ESP. À histologia, o comprometimento intersticial pode corresponder à pneumonia intersticial usual (PIU) e à pneumonia intersticial não específica (PINE).

A hipertensão pulmonar (HP) representa a outra principal causa de mortalidade nos pacientes com ESP, com uma sobrevida média de 40% em 2 anos. A HP pode ocorrer de forma isolada ou secundária à fibrose pulmonar. À histologia, as artérias pulmonares de pequeno e médio calibre apresentam obliteração da luz secundária à proliferação da íntima e hiperplasia de músculos lisos. Além das duas formas citadas, são descritas como manifestações pulmonares na ESP: pneumonia aspirativa, hemorragia alveolar, tromboembolismo pulmonar, pneumoconioses (síndrome de Erasmus) e doença pleural.

23 – Como proceder a avaliação e o tratamento da hipertensão pulmonar associada à esclerose sistêmica?
A hipertensão pulmonar isolada é uma complicação típica nos pacientes com escleroderma limitada (CREST), mas pode ocorrer também na ESP difusa. O diagnóstico clínico de hipertensão pulmonar é extremamente difícil nos quadros iniciais, sendo os sintomas mais comuns, fadiga e dispnéia e ao exame físico pode ser percebida hiperfonese de B2 em foco pulmonar. A alteração mais freqüente nos testes de função pulmonar é a redução na DCO. O ECG pode evidenciar desvio do eixo para direita, QR em V1 e alterações de repolarização de V1-V3. O estudo ecocardiográfico deve ser realizado na avaliação de rotina dos pacientes com as formas limitadas e nos pacientes com as formas difusas que apresentem sintomas ou diminuição da DCO. O ecocardiograma é capaz de estimar a pressão da artéria pulmonar na presença de insuficiência tricúspide. Outros sinais de HP incluem dilatação de VD, hipertrofia septal assimétrica e movimentação paradoxal do septo. O ecocardiograma apresenta sensibilidade de 90% e especificidade de 75% para a HP. Os pacientes, que apresentam sinais de HP no ecocardiograma, devem ser submetidos ao cateterismo cardíaco direito e manometria com avaliação da resposta à drogas vasodilatadoras (prostaciclina ou óxido nítrico). Os pacientes com HP devem fazer uso de O2 domiciliar e anticoagulação. Os bloqueadores de canais de cálcio em altas doses têm sido usados no tratamento da hipertensão pulmonar primária (HPP) e os resultados extrapolados para a HP associada à ESP. Resultados promissores têm sido obtidos com o uso de óxido nítrico inalado e de prostaciclina inalada ou em infusão contínua. No entanto, ainda não dispomos dessas apresentações comercialmente no Brasil.

24 – Quais as formas de envolvimento pulmonar na dermatopolimiosite/polimiosite (PM/DM)?
A polimiosite é uma doença sistêmica caracterizada por miopatia inflamatória. A pneumonia aspirativa secundária ao comprometimento dos músculos faríngeos ocorre em aproximadamente 50% dos pacientes com PMDM. Também são achados comuns as atelectasias laminares devido a fraqueza das musculatura diafragmática. Estudos japoneses em pacientes com PM/DM mostram uma alta freqüência dos quadros intersticiais, com relatos variando de 40 a 80%. Os padrões histológicos variam e podem apresentar sobreposição de pneumonia intersticial não específica, pneumonia intersticial usual, dano alveolar difuso e BOOP. Os pacientes podem ainda apresentar como complicações capilarite com hemorragia alveolar e hipertensão pulmonar.

25 – Quais as formas de envolvimento pulmonar na síndrome de Sjögren?
A síndrome de Sjögren (SS) é uma das doenças reumáticas sistêmicas mais prevalentes, afetando 3% da população na idade adulta avançada e é freqüente sua associação com outras síndromes reumatológicas, sendo chamada nestes casos de Sjögren secundário. A tríade clássica de sintomas são xerostomia, xeroftalmia e artrite. Histologicamente, a doença é caracterizada por infiltração linfocitária dos tecidos glandulares. Entre as várias complicações pulmonares descritas na síndrome, as vias aéreas parecem ser o alvo mais freqüente, com distúrbio ventilatório obstrutivo, ressecamento traqueobrônquico, cistos e bolhas pulmonares. Nos quadros intersticiais, a pneumonia intersticial linfocítica (LIP) é o padrão histológico mais comum, embora o achado de pneumonia intersticial usual ou a BOOP não seja raro.

Na SS existe uma estimulação excessiva dos linfócitos e esse processo linfoproliferativo pode apresentar um espectro variado, que inclui: infiltração linfocitária confinada às glândulas salivares e lacrimais, hiperplasia linfóide dos pulmões que pode ser peribronquiolar (bronquiolite folicular) e/ou intersticial (pneumonite intersticial linfocítica), granulomatose linfomatóide e olinfoma maligno que é, geralmente, não Hodgkin de células B. O potencial maligno de algumas lesões torna mandatória a investigação histológica com biópsia transbrônquica ou a céu aberto.

26 – Auto-avaliação
27 – Qual o papel diagnóstico do ANCA nas vasculites pulmonares?
Quando o anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA) é positivo, ele pode sugerir a presença de vasculite sistêmica. O ANCA tem a vantagem de servir como um marcador nas vasculites e atualmente é aceita uma classificação sorológica/patológica das vasculites de pequenos vasos em dois grupos: as vasculites associadas a imunocomplexos e as associadas ao ANCA. As últimas incluem a granulomatose de Wegener; a poliangeíte microscópica; a síndrome de Churg Strauss; e a glomerulonefrite pauci-imune.

Existem 2 padrões de ANCA na imunofluorescência: ANCA-c e ANCA-p. No ANCA-c a imunofluorescência apresenta uma distribuição granular no citoplasma e o ANCA-p é caracterizado por uma distribuição perinuclear. Os diferentes padrões de distribuição do ANCA costumam apresentar um perfil antigênico também diferente, o soro da maioria dos pacientes com ANCA-c apresenta uma reação contra uma enzima que é componente de grânulos dos neutrófilos, a proteinase 3 (PR3). O soro dos pacientes com ANCA-p apresenta atividade contra a mieloperoxidase (MPO). A pesquisa desses antígenos no soro apresenta uma maior especificidade para as vasculites pulmonares que a imunofluorescência para ANCA, isoladamente.